Atualmente temos ouvido “muito” sobre cuidados paliativos. Se por um lado é bom e importante popularizar e desconstruir o estigma que os cuidados paliativos vêm carregando ao longo de décadas, por outro lado é preocupante. Sua “popularização” pode levar a consequências negativas, como por exemplo: i) se tornar um modismo sem que as pessoas em geral tenham entendimento das suas premissas; ii) ser deturpado e amoldado aos interesses secundários sem o cumprimento dos seus princípios, objetivos e diretrizes recomendados e bem estabelecidos em diversos documentos da Organização Mundial da Saúde e outros órgãos internacionais; e ainda, iii) ser banalizado no debate público ficando circunscrito aos serviços de saúde privados.
Os cuidados paliativos são cuidados ativos, compassivos, competentes, multidimensionais – engloba questões biológicas/físicas, psicológicas, sociais e espirituais – destinados a pessoas com doenças progressivas e ameaçadora à vida. Seus principais objetivos estão implicados na qualidade de vida e no alívio da dor e outros sofrimentos do doente, estendidos para sua família, maximizando a dignidade dessas pessoas. Para atender tais objetivos, os cuidados paliativos são realizados por equipe multidisciplinar, fundamentados em princípios bioéticos que asseguram a beneficência, não maleficência, autonomia, justiça e os conceitos de proporcionalidade e qualidade de vida.
Cuidados paliativos têm benefícios mais que medicinal. De acordo com o documento da Organização Mundial de Saúde (2017): Building integrated palliative care programs and services, o diferencial dos cuidados paliativos é baseado nos princípios-chave: atenção integral centrado na pessoa, qualidade dos cuidados, acesso universal, valores de compaixão e compromisso. Essas ações em conjunto permitem a identificação precoce dos problemas, controle de sintomas, tratamento da dor e promoção da qualidade de vida.
Por ser considerado um direto humano, os cuidados paliativos são implantados para que o doente viva com qualidade e dignidade; sem intervenções fúteis para prolongar a vida a qualquer custo, usando a tecnologia de maneira que cause sofrimento. Embora em cuidados paliativos a morte seja considerada um processo natural que deve ser respeitado, ela deve ocorrer com o mínimo de sofrimento e o máximo de dignidade. Nesse sentido, o controle impecável da dor é fundamental e imprescindível; portanto, é necessário que a equipe multiprofissional esteja pronta para fornecer intervenções através da biotecnologia, de medicamentos específicos (opioides) e outros procedimentos não farmacológicos, que irão contribuir para o alívio do sofrimento.
Os cuidados paliativos também estão direcionados para os idosos frágeis devido a prevalência de doenças crônicas, progressivas e incapacitantes. É sabido que quando maior a longevidade, maior as chances das pessoas apresentarem comorbidades que vão, em alguma medida, impactar na qualidade e na expectativa de vida.
Como tem sido demonstrado em alguns estudos, os cuidados paliativos contribuem tanto para a qualidade de vida do doente (e de sua família), quanto para a os redução gastos públicos, com crescentes evidências de uma assistência com qualidade superior em comparação com os cuidados convencionais, pois agregam valores.
Os cuidados paliativos são a melhor opção, por isso, faz-se necessário políticas públicas centradas nas demandas das pessoas que legitime, informe, esclareça, divulgue e crie toda a infraestrutura para sua execução. É responsabilidade do Estado, promover a qualidade de vida de pessoas que vivem e morrem com problemas graves de saúde, aliviando seu sofrimento e de suas famílias.
A Constituição Federal, no artigo 196, estabelece “a saúde como direito de todos e dever do Estado” e a Lei no 8.080/1990 dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços de saúde. No entanto, isso não é o suficiente para que as políticas públicas efetivamente forneçam cuidados paliativos como um elemento essencial nos serviços de atenção saúde em todos os níveis – da atenção básica à alta complexidade.
Em 2018, o Ministério da Saúde, por meio da Resolução 41/2018, dispõe sobre as Diretrizes para a organização dos cuidados paliativos, à luz dos cuidados continuados integrados, no âmbito Sistema Único de Saúde (SUS), mas isso ainda é pouco para reconhecer os cuidados paliativos como prioridade de saúde pública. A falta de uma lei específica faz que diversos estados brasileiros criem suas próprias leis para fornecer cuidados paliativos aos seus cidadãos, como é o caso de Goiás, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Paraná e São Paulo, por exemplo.
Em cuidados paliativos tudo importa. Assim, tratar a dor física ou a dor emocional; ajustar um medicamento ou adequar uma dieta; reabilitar a marcha ou a fala; entre tantas outras ações, são expressões de cuidados ativos e compassivos centrados na pessoa e não na doença. Dessa forma, seremos capazes de tornar nosso Serviço Único de Saúde verdadeiramente humanizado. Defenda essa causa você também.
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Bibliografia consultada
Gómez-Batiste X, Connor S Building Integrated Palliative Care Programs and Services. WHO Collaborating Centre Public Health Palliative Care Programmes; 2017.
Worldwide Palliative Care Alliance. Global Atlas of Palliative Care at the End of Life. WHPCA, 2nd Edition, 2020.
Mendes, EC; Vasconcellos, LCF. Cuidados Paliativos: uma questão de direitos humanos, saúde e cidadania. Curitiba: Appris, 2021.
Brasil. Ministério da Saúde. Resolução nº41 de 31de outubro de 2018