Ao olhar para a imagem em destaque, podemos inferir muitas coisas. Na minha imaginação, prefiro pensar que, embora o corpo esteja fragilizado e a respiração dependente de oxigênio, parece bom passear, sentir o sol aquecer a pele, ver pessoas e o colorido da paisagem.
É bem verdade que isso não é possível para muitos doentes. Entretanto, infelizmente, aqueles que podem nem sempre aproveitam esse momento. Pois ainda estão presos na frustração da doença incurável e da sua finitude. Por isso, é sempre oportuno destacar que os cuidados paliativos não são apenas para quem está em condições muito críticas de saúde, ou em cuidados de fim de vida.
Independente do estágio da doença progressiva e ameaçadora a vida, tudo importa para que o doente seja cuidado da melhor forma possível em todas as áreas da sua vida. Isso diz respeito não apenas aos cuidados médicos e de enfermagem, ou ainda à adequação da dieta e aos exercícios respiratórios; importantes e necessários. Diz respeito, também, à promoção da qualidade de vida do doente enquanto há vida, enquanto é possível sair de casa, sentir a brisa no rosto, sorrir, tomar um “golinho” de café ou chupar um pedacinho de picolé.
Quando Cicely Saunders – enfermeira, assistente social e médica – fundou o primeiro serviço de cuidados paliativos na Inglaterra, sabia que tudo deveria ser feito para aliviar o sofrimento e melhorar a qualidade de vida dos doentes que tinham doenças incuráveis. Foi ela quem disse “Há muito a fazer”.
Embora tenhamos tanto avanço na ciência e na biotecnologia, nem sempre um medicamento de última geração ou um suplemento alimentar poderá conter uma doença progressiva e ameaçadora à vida. No entanto, sempre há muito a fazer. Para tanto, torna-se fundamental escutar o doente e a sua família, perceber as nuances no discurso e no corpo que falam, ter disposição para agir em equipe, praticando os conhecimentos conforme a necessidade da pessoa que sofre no corpo e na alma.
O grande diferencial na prestação de cuidados ativos e compassivos é o foco no ser humano e não com a doença em si. Por isso, em cuidados paliativos tudo importa: a dor, o desânimo, a angústia, a fome, a falta de apetite, a saudade; ou mesmo a vontade de comer coisa gostosa, de passear, de ouvir música. A doença pode não ter cura, mas o ser humano sempre precisará de cuidado: biológico, psicológico, social, espiritual.
Os cuidados paliativos valorizam a vida, mas não a qualquer custo. A vida não é abreviada, mas também não é prolongada nos aparelhos ou com medidas fúteis que só causam sofrimento.
Em cuidados paliativos a morte é considerada um processo natural, que deve ser respeitada e feito de tudo para que seja tranquila, sem sofrimento e com dignidade; o que chamamos de boa morte. Como diz o paliativista Ernani Mendes no seu livro Cuidados Paliativos: uma questão de direitos humanos, saúde e cidadania “Infelizmente ainda se morre muito mal no Brasil. Para além do acesso à abordagem paliativa, que é dificultoso, encontramos ainda muito desconhecimento no seio da sociedade referente à filosofia e à prática dos cuidados paliativos”.
Nesse sentido, vale lembrar que alimentação também é cuidado e finalizo com uma citação do livro Comendo com prazer até o fim:
“Essa atmosfera de humanização e de compromisso com a dignidade humana nos permite afirmar que a alimentação e a nutrição adequadas são imprescindíveis no caminho da compaixão. Isso se deve não meramente aos nutrientes essenciais que atuam no funcionamento do organismo, mas sobretudo à natureza simbólica que os alimentos representam nas conexões com a memória, o prazer e a esperança de cada pessoa.”
Bibliografia consultada
Benarroz, M. Comendo com prazer até o fim: o papel da alimentação na vida de pessoas com câncer avançado na perspectiva dos cuidados paliativos. São Paulo: Scortecci, 2020.
Mendes, EC; Vasconcellos, LCF. Cuidados Paliativos: uma questão de direitos humanos, saúde e cidadania. Curitiba: Appris, 2021.
Devo confessar que essa citação em seu livro, foi um divisor de águas em meu projeto de vida acadêmica e profissional. Gratidão, Mônica Benarroz
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Prezada Kelen,
obrigada pelo feedback. É muito importante saber que meu trabalho está fazendo a diferença na vida das pessoas. Você é um exemplo disso. Gratidão!
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