Dor, câncer e comida: uma mistura difícil de digerir

“A gente não quer só comer

A gente quer comer e quer fazer amor

A gente não quer só comer

A gente quer prazer pra aliviar a dor”

(Arnaldo Antunes / Marcelo Fromer / Sérgio Britto)

A música “Comida” (1978), cantada pelo Titãs expressam a realidade de muitas pessoas que estão com câncer avançado e sofrem dia e noite com a dor oncológica e sem tratamento adequado. 

Dependendo do órgão afetado pelo tumor, ou pela metástase, a dor oncológica pode ser classificada em visceral, óssea e neuropática, com variados graus de sofrimentos, afetando a vida do doente em todas as dimensões, podendo levar à anorexia, à desnutrição, à depressão e ao isolamento social, piorando muito a sua qualidade de vida. É um tipo de dor que expulsa o apetite para bem longe, porque a dor tira qualquer prazer, inclusive o prazer de comer.

Os medicamentos adotados nos tratamentos de dor oncológica com maior eficácia são os opioides – codeína, metadona, morfina, oxicodona, tramadol – prescrito conforme a escada analgésica. Entretanto, estes medicamentos provocam um conjunto de sintomas denominado de disfunção intestinal induzida por opioides, que associa a constipação severa a outras queixas como náusea, vômito, boca seca, refluxo, cólicas abdominais, espasmos e inchaço, que comprometem o apetite do doente.

Infelizmente, esse quadro é subdiagnosticado e subtratado, e consequentemente, impacta no estado nutricional e na qualidade de vida tanto quanto a dor oncológica. Pois, quem consegue comer com segurança e prazer com tantos sintomas? Por isso, vários pacientes abandonam o tratamento com opioide para evitar a angústia da constipação. O que é preocupante, pois a dor tem outros impactos negativos, conforme já mencionado.

Então, o que fazer para controlar a dor eficientemente, mitigar os efeitos desagradáveis dos opioides, e tornar possível o paciente comer sem medo de passar mal e com prazer?

A resposta é dividida em três etapas e dependerá de uma boa avaliação médica e de uma equipe multiprofissional, incluindo nutricionista, fisioterapeuta e psicólogo, profissionais normalmente presentes num Centro de Tratamento de Câncer:

1)    Ouvir a queixa do doente e reconhecer os efeitos adversos dos opioides

2)    Prescrever um tratamento multimodal e orientar o paciente da necessidade de cumpri-lo. Isso inclui:

a.    Medidas farmacológicas: opioide associado ao laxante

b.    Medidas não farmacológicas: alimentação laxativa, hidratação adequada, exercício físico, massagem abdominal e psicoterapia

3)    Reavaliação multiprofissional e ajuste das intervenções conforme as terapias propostas

Assim como a prescrição de medicamentos depende da avaliação médica, a prescrição de medidas não farmacológicas também merece uma avaliação específica do profissional da área para definir o melhor plano terapêutico, garantindo a segurança e a qualidade da assistência.  

 No quesito Nutrição, por exemplo, não é recomendado o uso de fibras insolúveis (presentes nos cereais integrais) na alimentação laxativa para de pessoas com constipação induzida por opioide e há vários dias sem evacuar, pois as fibras insolúveis aumentam o bolo fecal e pioram o esforço evacuatório, favorecendo a formação de fecaloma.

Nesse sentido, o tratamento multimodal é a melhor opção para o doente aliviar a sua dor e melhorar a qualidade de vida, podendo comer com segurança e prazer.

Bibliografia consultada

Benarroz MB, Denolato A. Aspectos Nutricionais no Paciente Oncológico em Cuidados Paliativos. In Da Fonseca PRB, De Barros CM. Tratado da dor oncológica. Rio de Janeiro: Atheneu. 2019.

Müller-Lissner S, Bassotti G, Coffin B, et al. Opioid-Induced Constipation and Bowel Dysfunction: A Clinical Guideline. Pain Med. 2017; 18;1837-63.

Yildirim D, Can G, Köknel Talu G. The Efficacy of Abdominal Massage in Managing Opioid-Induced Constipation. Eur J Oncol Nurs. 2019 Aug;41:110-119.

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